quinta-feira, 27 de agosto de 2015

A CAMARINHA


Foto Bob Retina

Prólogo
A Camarinha é um ritual de iniciação, de vivência, de aprendizado, de assentamento, e de transmissão de poder na Umbanda. Ela representa sempre uma evolução espiritual pela força ritualística de que é investida. As pessoas leigas e as desavisadas costumam achar que a Camarinha é um mistério, um dogma. Mas não é verdade, pois todo umbandista, independente do seu grau hierárquico tanto na comunidade a que pertence como na Umbanda de uma maneira geral, tem direito a “entrar em camarinha” sempre que for necessário por força dos rituais ou por circunstâncias da vida.
Na Umbanda, os mistérios são revelados a medida em que o ser humano adepto vai evoluindo no seu entendimento das coisas, na sua personalidade e na sua índole. Não é somente o médium que faz camarinha. Todos os adeptos de um Templo “precisam” entrar em Camarinha para um aprendizado mais refinado e um pouco diferenciado entre os diversos grupos comunitários. Cada ser humano tem o seu “momento certo” para querer aprender e para aprender, uma vez que o seu aprendizado depende fundamentalmente e decididamente de sua única vontade. Muitas vezes a pessoa que está do seu lado numa comunidade pode ainda não estar preparada para entender certas verdades que, se para uns “está na cara”, talvez para esta pessoa ainda seja muito complicado tomar conhecimento da profundidade desta verdade, pois a sua mente de certo não aceitaria por não entende-la, provocando nesta pessoa transtornos que venham interferir no seu destino (o que seria terrível para ela e para quem provocar este estado de consciência que interfira negativamente na vida da pessoa) e portanto na sua atual encarnação.
Os mistérios não são proibidos na Umbanda. Muito pelo contrário. Apenas é preciso respeitar o grau de entendimento das pessoas. Qualquer informação pode ser dada em diversos níveis de entendimento. Portanto, todos têm o direito de aprender tudo o que quiserem saber. Cabe aos mais esclarecidos procurar descer ao nível de entendimento dos menos esclarecidos para poder ajudá-los a entender aquilo que querem saber sobre a religião.
A Camarinha é o melhor momento para se aprender “as coisas de Deus”. Nela existe todo um ambiente propício preparado através de rituais místicos onde a mente pode se elevar e penetrar no mundo sobrenatural e, através da Luz Espiritual, alcançar seus objetivos de aprendizado e aperfeiçoamento da pessoa. Lembre-se sempre que, aquilo que é fácil e racional para você poderá ser difícil e inteligível para outro. Não seja um caçador de adeptos para a religião que você gosta e entende. Seja apenas você mesmo, com um comportamento exemplar, sincero humano, feliz e competente nas suas atitudes, que certamente alguém que estiver desarmonizado, sofrendo na vida vai tentar imita-lo ou pedir sua ajuda. Aí sim, é chegada a hora de agir e ajudar.
Como existem pessoas com grau de entendimento diferente uns dos outros, é claro que os ensinamentos místicos e religiosos ou sagrados deverão ser ensinados de acordo com o grau de entendimento das pessoas. Para se transmitir os ensinamentos para grupos de pessoas, costuma-se utilizar os seguintes eventos para a comunidade: Palestras onde a linguagem dos ensinamentos costuma ser de entendimento popular (se o grau dos assistentes for heterogêneo), Cursos de Disciplinas místicas em diversos níveis e Camarinhas também em diversos níveis. Portanto não se trata de descriminação já que, como os aprendizados (e os ensinamentos) são evolutivos, todos inclusive os que começam pelos níveis mais inferiores, podem alcançar os níveis mais superiores. Por isto as Camarinhas são diferentes. A Camarinha, a Palestra e o Curso são recursos necessários para que uma comunidade possa atender a todos os níveis de entendimento no seu meio, na revelação dos “mistérios da Criação” ou do sobrenatural.
São diferentes não só pelo nível dos participantes como também e principalmente porque cada um dos participantes é diferente dos demais e vice versa. Com isto, apesar de serem os assuntos culturais e ritualísticos ensinados a um grupo, os mesmos assuntos ensinados em outras Camarinhas de outros grupos, o entendimento do grupo será semelhante, mas não igual ao dos demais grupos porque o intelecto individual das pessoas do grupo faz a diferença. É como numa escola onde você vai passando de série no seu aprendizado, mas os novos que vierem a aprender a mesma coisa certamente aprenderão de forma diferente. Isto quer dizer que uma Camarinha nunca é igual a outra.
A Camarinha é um ritual, e como tal possui começo meio e fim. Portanto é um procedimento técnico que possui uma sequência lógica.

O conteúdo da camarinha
Como ritual que é, a Camarinha representa um caminho para se atingir uma meta. A meta é a Evolução em busca da Perfeição Espiritual. Como a busca da perfeição é longa, o caminho se divide em etapas. Assim, cada Camarinha é uma etapa de um longo caminho.
Como a Camarinha é um ritual, ela é executada dentro de determinados padrões. Por exemplo, ela precisa começar pelos valores mais densos e ir caminhando na direção dos mais sutis. Como ela é uma “vivencia”, uma experimentação dos valores de uma dada ação, a mais importante de todas as ações certamente é o renascer para um novo estado de consciência. Ora, para você renascer precisa logicamente de estar morto. Como o renascer a que nos referimos é o conhecimento do mundo sobrenatural, então você não tem que morrer de fato, mas sim sair da materialidade para penetrar no Mundo sutil. Ao atravessar o Portal entre o que é material e o que é sutil, você acaba por se transformar, e esta transformação é o novo estado de consciência em relação aos mistérios da criação.
Nesta caminhada sobrenatural quem viaja é a mente, mas quem padece é o corpo. O ser encarnado toma ciência do destino (Odu) que ele mesmo escolheu e vai buscar as respostas para suas dúvidas e para suas mazelas no conhecimento pleno de si mesmo. A Camarinha é uma viagem ao interior do próprio Eu, pois é nele que se encontra a Centelha Divina.
Vamos agora definir a Camarinha através de rituais e disciplinas. Como já foi dito, ela possui início meio e fim.
O Início representa uma parada, uma encruzilhada para onde convergem todos os caminhos. Uma reflexão. É no Mundo denso, energeticamente negativo, que vamos deixar as vestes virtuais velhas (o invólucro da materialidade), rasgadas (atitudes equivocadas, perdidas, desperdiçadas), despojar-se das vaidades, desejos e sentimentos fúteis e quebrar o ego e enfrentar os medos. Como um Filho Pródigo, abandonamos o “passado terreno” (as conquistas daquilo que é “Irreal”, que não se leva depois da morte), nos limpamos e recomeçamos num mundo novo onde as conquistas são “Reais” (Aquilo que levamos depois da morte).
O Meio é o recomeço, a busca das origens primordiais. A vivência de todas as conquistas espirituais (a reconquista daquilo que é Real, as conquistas espirituais). Dentro da sequência lógica, é a evolução rumo ao nosso kárma original (Causal), a busca da casa do Pai.
O Fim, que na verdade é apenas o fim do ritual, é na verdade o começo da evolução primordial que buscamos por nosso próprio arbítrio. É o re-encontro com o Pai.
No procedimento técnico da Camarinha temos, nas três etapas (Princípio, meio e fim) ensinamentos de ritual, disciplina e práticas ritualísticas. Os ensinamentos ou disciplina de entendimento referem-se ao autoconhecimento e aos esclarecimentos de magia. Os rituais constituem-se de práticas, vivências, aplicação, e a conquista de sentir o mundo sobrenatural (transe anímico). Como o Ritual (procedimento) só se transmite em ambiente propício e oralmente por tradição, em sinal de respeito não ensinaremos aqui nenhum ritual. Ensinar rituais de magia a pessoas não preparadas especificamente para aprender e praticar, é a mesma coisa que colocar uma arma de fogo carregada nas mãos de uma criança inocente. Não que o Ritual seja uma arma. Não é isto que estamos querendo dizer. Estamos apenas tentando demonstrar o quanto é perigoso um conhecimento que pode interferir no arbítrio das pessoas, ser usado por quem não sabe manuseá-lo. Os Rituais são segredos de sacerdócio. Por isto não confunda segredo com mistério. O mistério é para ser descoberto e o segredo é para ser guardado.
Mas, como é nossa obrigação ensinar, diremos apenas no que se refere a rituais, que “querer é poder, e poder é saber querer fazer”. Para bom entendedor, meia palavra basta.
Quanto às Disciplinas a serem ensinadas nas vivências ritualísticas, diremos que cada grau de Camarinha possui o seu “currículo” próprio, adequado e que pode variar de Templo para Templo, dependendo da orientação superior do Guia Chefe.
As Camarinhas são normalmente divididas em graus de aprendizado compatíveis com a evolução da pessoa. Por isto existem Camarinhas de Anjo de Guarda, que serve para todos os iniciantes e assistentes ou membros da coletividade (esta Camarinha representa o Primeiro Sacramento da Umbanda que é o Batismo, embora não seja o Sacramento propriamente dito já que para isto existe um ritual específico); Camarinhas de Harmonização psicossomática (alma e corpo) para todos os membros da comunidade, que servem para harmonizar a vida das pessoas para enfrentar as vivências do dia-a-dia; Camarinhas de Bori de Caboclo para médiuns e também para membros da coletividade que quiserem evoluir mais profundamente nos mistérios da criação, pois esta camarinha é um dos Sete Sacramentos da Umbanda (Equivalente à Crisma dos católicos); Camarinha de Casamento que é um dos Sete Sacramentos, específica para quem quer casa nos rituais da Umbanda; Camarinha de Primeiro Ano de Santo que é mais um Sacramento da Umbanda, equivalente a Confissão dos católicos; as Camarinhas de Segundo, Terceiro, Quarto, Quinto e Sexto anos de Santo são “reforços” sacramentais que permitem a depuração da evolução rumo ao próximo Sacramento, já que efetua o junto de cada Santo que compõe a “Vida Espiritual” e a presente encarnação do médium; a Camarinha de Sétimo Ano de Santo é também conhecida como Camarinha de “Junto” onde o (a) Iaô alcança o grau de Sacerdócio ao receber o Sacramento que é equivalente à Comunhão dos católicos. É a obrigação onde o médium sacerdote recebe o “Deká” ou o Poder de abrir seu próprio Templo; após o “Junto” seguem-se Camarinhas de reforço, vivência, prática real, levantamento e harmonização até os 21 Anos de Santo onde o médium recebe o grau definitivo de SACERDOTE com o título de Babalaô, Babalorixá, Ialaô ou Ialorixá e o Mestrado, que é mais um dos Sete sacramentos da Umbanda, semelhante à Ordenação dos católicos.
Podem existir outros tipos de Camarinhas dependendo do Sacerdote Chefe de um Templo junto com seu Guia Chefe.
Em alguns Templos Umbandistas, o Sacerdote ou a Sacerdotisa costumam seguir os princípios das Camarinhas de formação sacerdotal para os médiuns da casa e, para os assistentes, a Camarinha de Anjo da Guarda.
Segundo os Dirigentes, os ensinamentos prestados fazem parte do “Currículo” dos médiuns que receberam o “Deká” na Camarinha do “Junto”. Entretanto não são proibidos a ninguém. Quem quiser conhecê-los tem toda a liberdade de procurar as fontes corretas de ensino que estão dentro do próprio Templo (Como, por exemplo, as Bibliotecas ou o Centro Cultural dos Templos). Conversando com alguns sacerdotes, para eles é importante que cada um busque o seu desenvolvimento e não fique preso a ninguém ou esperando que caia do céu. Ainda segundo eles, não existe a preocupação de que alguém aprenda algo que está “fora do seu tempo”, porque o tempo de cada um é conquistado pela força de seu próprio Livre Arbítrio. A cultura não faz mal a ninguém. Principalmente a Cultura Umbandista. Os segredos ritualísticos de que esta matéria faz parte são dados somente a quem de direito. Parte destes segredos (e não mistérios) estão embutidos nesta matéria. Quem os conhece observa como é mais fácil desenvolve-los quando se possui a Cultura dos ensinamentos tradicionais que o Tempo lhes lega.

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