terça-feira, 11 de agosto de 2015

Princípios educacionais da Umbanda

Por: Danilo Reis de Matos Oliveira

Educar é todo ato de ensino-aprendizagem, toda ação em que há troca de saberes. A educação acontece em todos os lugares, mas de forma diferenciada. O mesmo se aplica a religião: todo lugar em que há interação, há educação.
A palavra religião é de origem latina, vem de religio, que se traduz em "prestar culto a uma divindade", "ligar novamente" ou simplesmente "religar". Sendo assim, entende-se como religião as crenças e valores inerentes do que o ser humano vislumbra como sobrenatural, seus rituais e códigos morais que derivam destas crenças(AZEVEDO, 2010,p.7). 
Para delimitar o campo de estudo, às religiões de matrizes africanas serão aqui denominadas como umbanda ou, umbandomblé , por serem as mais frequentes em Itaberaba. 
A umbanda surge da necessidade de assistir os espíritos ancestrais, como os espíritos indígenas, que no candomblé eram tidos por egum , e para os kardecistas eram espíritos "sem cultura" e não podiam trabalhar nestes centros. 
Mesmo que cada Casa tenha particularidades no culto, "a doutrina, como uma regra ou conduta moral" é imprescindível para condução dos trabalhos no terreiro. Essas práticas religiosas têm doutrinas diferenciadas de casa para casa, contudo alguns preceitos são onipresentes em todos os seus seguimentos. Não é como nas outras religiões que possuem um livro canônico que regem suas atividades. Mas absorve o que há de bom em todos os seguimentos religiosos para por em prática o princípio da caridade.
A umbanda é uma religião própria, uma verdadeira africanização da religião brasileira, pois o culto aos ancestrais já acontecia na África, nas terras dos bantos, antes da colonização européia (AZEVEDO, 2010, p.132) e a religião indígena também prestava culto aos antepassados. Nela estão presentes elementos africanos, ameríndios, bruxaria européia, Kardecismo e cristianismo, sendo influenciada ainda pelas culturas orientais (AZEVEDO, 2010, p.24). Não é puramente incorporação, ritualismo e coreografia, mas, sobretudo o espiritual, buscando a razão da existência (ORPPHANAKE, 1995, p. 42). 
Como ápice da religião está uma divindade criadora do universo. Ao contrário do que propagaram as religiões cristãs, a umbanda não é uma religião que cultua vários deuses, mas um Deus supremo, chamado Olorum , Zambi , Oxalá , Tupã ou Jesus Cristo. Portanto, esta é uma religião monoteísta, "com uma hierarquia organizada abaixo do Deus único" (AZEVEDO, 2009, p.19). Presta-se um culto secundário aos Orixás "como manifestações divinas", as entidades espirituais e os guias, que são espíritos ancestrais, evoluídos, que se incorporam aos médiuns para desenvolverem trabalhos em prol da humanidade (AZEVEDO, 2010, p. 8-9).
A própria etimologia da palavra "umbanda" nos remete ao monoteísmo, pois esta deriva dos fonemas aum (a Divindade suprema), ban (conjunto ou sistema) e dan (regra ou lei), que pode-se interpretar como "o conjunto das leis divinas" (AZEVEDO, 2010, p. 132).
No culto aos orixás como divindades secundárias, observa-se o princípio educacional primordial da umbanda: o respeito à natureza. Os orixás são em sua essência natureza. As questões ritualísticas, como oferendas feitas nas cachoeiras e nas matas são motivo de constante discussão entre ambientalistas e umbandistas. Mas desde o ingresso na religião, estes são instruídos a preservação ambiental. Ao desperdiçar água, por exemplo, o homem estará ofendendo a Oxum e Iemanjá, que são a própria água. O orixá é em si, natureza. 
AZEVEDO diz:
[...] vemos o culto aos orixás como manifestação divina. Cada Orixá controla e se confunde com um elemento da natureza, do planeta ou da própria personalidade humana, em suas necessidades e construções de vida e sobrevivência. O culto também ocorre nas Casas de raiz indígena, que o fazem valendo-se dos deuses daquele panteão [...] (2009, p.19).
Além do culto aos orixás, presta-se um culto terciário: aos pretos-velhos, caboclos, boiadeiros, marinheiros, baianos e outras entidades que assumem caráter regional. Como seguem uma hierarquia, os caboclos ocupam a mais alta falange.
Há também outra entidade que é cultuada em todo seguimento de umbanda: Exu. Esta entidade, importantíssima no culto, foi erroneamente sincretizado com o diabo cristão. Contudo as concepções de diabo e inferno não estão presentes nas religiões afro-brasileiras. Sobre isso, CUNHA JUNIOR diz:
"Os diabos e demônios não fazem parte da cultura africana. Sendo assim, as religiões de base africana não conhecem estas figuras e não têm nada a ver com elas. Por racismo contra a população negra é que pessoas desinformadas dizem que Candomblés são cultos de natureza diabólica [...]" (2009, p. 97).
Exu é um espírito neutro, que serve como mensageiro por ser "dono" das encruzilhadas. O orixá Exu não é cultuado na umbanda, mas sim espíritos que trabalham sobre sua vibração, como Pomba giras e exus de rua (AZEVEDO, 2010, p. 49).
Existe uma critica ferrenha aos sacrifícios de animais que são realizados nos rituais umbandistas. Mas, o sacrifício tem papel fundamental na ritualística. Mesmo assim, os próprios praticantes da religião têm consciência que é preciso ter limites, pois acima de qualquer coisa é preciso ter "respeito à vida que ali está sendo imolada". 
Muitos acusam a religião sob alegação de que, "os sacrifícios podem contribuir para extinção de animais", mas os animais utilizados nesses rituais não fazem parte da fauna brasileira, pois são domesticados e servirão de alimento. Animais selvagens não são utilizados nos rituais por conservarem uma energia que pode causar desequilíbrio no ritual.
Não há, em hipótese alguma, desperdício nos ritos umbandistas, pois, somente o sangue, as vísceras e a cabeça alimentam a entidade, pois simbolizam a vitalidade e a consciência. A carne é totalmente aproveitada e serve para alimentar os presentes em dias de festas ou dias comuns.
Essa é uma herança africana. Eles viam a alimentação como um ato sagrado, "por isso os deuses, espíritos naturais e antepassados também comem". Assim, o sacrifício é necessário para equilibrar o axé (AZEVEDO, 2010, p.135-137). 
Acredita-se que, toda pessoa ao nascer tem sua "cabeça" oferecida a um orixá, que regerá a vida do filho em todos os aspectos. O filho também é assistido de outros guias espirituais que, pela hierarquia, estão abaixo do seu orixá. Acredita-se que cada pessoa tem sete orixás regendo sua vida, e merecem o zelo do seu pupilo.
Há também um respeito aos valores humanos como: a fraternidade, a caridade e o respeito ao próximo. Contudo, a virtude máxima de umbanda, seja qual for seu segmento, é a caridade, e dela desencadeiam todas as outras.
A umbanda tem como crenças comuns: a imortalidade da alma, a reencarnação e as leis kármicas (AZEVEDO, 2009, p. 20). Acredita-se que, o espírito imortal recebe a oportunidade de retornar à vida (reencarnar) para "pagar" dívidas das vidas passadas. Alguns reencarnam com o dom da mediunidade, que é a capacidade que o indivíduo tem de se comunicar com o plano espiritual e que, antes de encarnar-se é pedido ao criador, com fim de trabalhar em prol de quem prejudicara em vidas anteriores. A mediunidade manifesta-se independentemente de religião (ORPHANAKE, 1995, p. 16).
O desenvolvimento mediúnico deve valer-se de dois pilares fundamentais: o estudo e o desenvolvimento (AZEVEDO, 2009, p. 22). O conhecimento não cabe somente ao guia espiritual, pois o conhecimento desenvolvido por ele, quando incorporado, a ele pertence. O médium deve buscar seu próprio conhecimento, através do estudo, ajudando-se mutuamente, lhes fornecendo boas condições de trabalho. Assim, um médium sábio será assistido por espíritos do mesmo nível, oferecendo-lhe "condições morais e mentais para tal" (ORPHANAKE, 1995, p. 67). Pois, "a instrução e o conhecimento fazem parte da fé" (AZEVEDO, 2009, p.23).
Outro fator comum às casas de umbanda, assim como no candomblé, são os rituais de iniciação, que introduzem o fiel na religião. Contudo, variam de casa para casa, e geralmente se dividem em: manifestação, adaptação, batismo, culto e os trabalhos, também chamados de obrigações ou festa (AZEVEDO, 2009, p. 20-45).
A utilização de ervas é outro aspecto que merece atenção. São utilizadas em grande parte dos rituais sagrados, principalmente nos banhos e sacudimentos, com função de equilibrar as energias, tanto do ambiente, quanto do corpo. Os banhos podem ser classificados em: descarrego, defesa e energização. Sendo que são utilizados de formas especificas para cada caso, pois cada pessoa tem guias diferenciados (AZEVEDO, 2009, p.48-49).
A mesma importância é dada ao ebó, que é um ritual de purificação, ou uma oferenda pra reequilibrar as energias do filho com as dos seus orixás. É muito utilizado pela umbanda de nação. Deve ser usado única e exclusivamente para este fim, nunca para desejar o mal a qualquer pessoa (AZEVEDO, 2009, p. 55).
O respeito aos mais velhos é outro princípio que merece destaque. Na umbanda, quanto mais idade tem o indivíduo, mais respeitado ele é. Hierarquicamente, ficam abaixo, somente, do babalorixá ou da yialorixá , sendo respeitados mesmo por estes (AZEVEDO, 2009, p.56). 
Outro assunto que suscita polemica é o que concerne ao sexo e a sexualidade. A abstinência sexual antes e depois de alguns ritos dar-se por que a energia que o corpo emite durante a atividade sexual é muito intensa, podendo desencadear aspectos tanto positivo, quanto negativo. Durante o ato, o médium, além de perder muita energia, corre o risco de entrar em contato com energias que o desequilibre. Contudo, a atividade sexual é natural e jamais poderá ser tachada de imoral. Assim, este período de abstinência serve para manter as energias em equilíbrio (ORPHANAKE, 1995, p.46-47).
Na umbanda, quando se fala em sexualidade, não se está falando em gênero, mas em essências, masculinas e femininas. Há certas funções essencialmente desempenhadas por homens, outras por mulheres. Contudo, a essência não está ligada a gênero ou ao sexo, pois ela os precede. Há homens com essência feminina, que emanam e concentram essa energia, e o contrario também se dá. Por isso a umbanda não tem restrição alguma a presença de homossexuais em seus cultos, pois para ela o que importa é o espírito, a essência, não a carne (AZEVEDO, 2010, p. 139-141).
O uso do álcool e do tabaco nos rituais é necessário, pois há certas energias que só eles podem emanar. O álcool serve como combustível, por produzir grande energia. Ele ajuda na manutenção do transe, abrindo as portas do subconsciente. O tabaco tem equiparada importância. Contudo, o uso destes deve ser limitado, para evitar problemas. Mas, como essa também é uma questão doutrinária, cada casa tem postura própria (AZEVEDO, 2010, p.133-134). 
Na atualidade existem muitos cursos com visas a ensinar as várias "práticas de umbanda", contudo a forma mais sábia de compreender e absorver os valores fundamentais para a boa prática religiosa é vivenciando a religião. Sendo que o método de doutrinação, que a umbanda herdou dos africanos fora a transmissão oral (AZEVEDO, 2009, p.56).
Para AZEVEDO: 
[...] nenhum ser humano, especialmente no que concerne aos deuses, é detentor de qualquer verdade universal. A verdade que nos liga ao transcendente é única e verdadeira apenas dentro de nossas almas (2010, p.11).
Enfim, pode-se concluir que a umbanda é uma religião brasileira, que se norteia em um Deus único, no culto aos orixás e espíritos ancestrais, que utilizam da mediunidade para fazerem acontecer: a caridade, a fraternidade e o respeito ao próximo. Acolhe a todos, sem distinção de raça, sexo, classe social... Sua principal virtude, a caridade. E sua lei, a do retorno. 



Bibliografia:

AZEVEDO, Janaina. Tudo que você precisa saber sobre umbanda. São Paulo: Universo dos livros, 2010. Volume 1.
____. Tudo que você precisa saber sobre umbanda. São Paulo: Universo dos livros, 2009. Volume 2.
CUNHA JUNIOR, Henrique. Candomblés: como abordar esta cultura na escola. In: Revista Espaço Academico, nº 102. Novembro de 2009. Ano IX. Disponível: periodicos.uem.br/ojs/índex. php/espaçoacademico/ article/viewfile/.../4810 Acesso em: 07/07/2010.
ORPHANAKE, J. Edson. Mediunidade e seus problemas. 3ª Ed. São Paulo: Pindorama, 1995.

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